Constitucionalidade da contribuição sindical facultativa: confirmação pelo STF
GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.
O apego ao passado é algo que por vezes impressiona particularmente
no Direito Coletivo do Trabalho brasileiro.
A Lei 13.467/2017, sobre a reforma trabalhista, tornou a
contribuição sindical prevista em lei opcional, ou seja, facultativa, passando
a ser devida apenas pelos empregados, trabalhadores e empregadores que assim
autorizarem prévia e expressamente[1].
Discute-se, entretanto, se essa
modificação seria válida, ou seja, constitucional.
As contribuições (receitas)
sindicais em sentido amplo abrangem a contribuição sindical prevista em lei, a
contribuição confederativa, a contribuição assistencial e a mensalidade
sindical.
A contribuição sindical prevista em
lei foi reconhecida e recepcionada pela Constituição Federal de 1988, como se
observa em seu art. 8º, inciso IV, parte final.
A referida contribuição sindical,
anteriormente conhecida como “imposto sindical”, é disciplinada nos arts. 578 e
seguintes da CLT.
Quando obrigatória, a sua natureza
jurídica era tributária, conforme o art. 149, caput, da Constituição da República, por se tratar de contribuição
de interesse das categorias profissionais e econômicas, como confirmava o art.
217, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Essa contribuição sindical prevista
em lei, quando era compulsória, acarretava evidente restrição à liberdade
sindical, sendo incompatível com a Convenção 87 da Organização Internacional do
Trabalho, uma vez que era devida independentemente de manifestação de vontade
ou concordância do trabalhador ou empregador, bem como de filiação ao ente
sindical.
O art. 7º da Lei 11.648/2008 dispõe
que os arts. 578 a 610 da CLT vigorarão até que a lei venha a disciplinar a
contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e
à aprovação em assembleia geral da categoria. Essa contribuição negocial,
entretanto, ainda não foi instituída.
Com a Lei 13.467/2017, a
contribuição sindical prevista em lei deixou de ter natureza tributária, por
não ser mais uma prestação compulsória (art. 3º do Código Tributário Nacional),
passando a ter natureza preponderantemente privada, embora de certa forma atípica
ou sui generis.
Esclareça-se que um tributo, ainda
que anteriormente arrolado e previsto no sistema constitucional e
infraconstitucional, pode, de forma válida, deixar de existir no ordenamento
jurídico, em razão de modificação legislativa, como ocorreu no caso, em que
houve a alteração da própria natureza do instituto.
De todo modo, não se pode dizer que
se trata de prestação exclusivamente privada, uma vez que parte dos valores da
contribuição sindical prevista em lei, mesmo facultativa, ainda é direcionada
ao poder público, ou seja, destinada à “Conta Especial Emprego e Salário” (art.
589 da CLT), administrada pelo Ministério do Trabalho, pois os seus valores
integram os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador[2].
De acordo com o art. 113 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, incluído pela Emenda Constitucional
95/2016, a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser
acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
Entretanto, a modificação da
natureza jurídica da contribuição sindical, ao deixar de ser compulsória, em
consonância com o princípio da liberdade sindical, não significa, em termos
técnicos, renúncia de receita propriamente.
Conforme o art. 14, § 1º, da Lei
Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, a renúncia de receita compreende anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou
modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de
tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento
diferenciado.
A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede
(art. 180 do Código Tributário Nacional). A remissão
extingue o crédito tributário (art.
156, inciso IV, do Código Tributário Nacional), sabendo-se que a lei pode
autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado,
remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo às situações
previstas no art. 172 do Código Tributário Nacional. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de
lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os
tributos a que se aplica e, sendo o
caso, o prazo de sua duração (art. 176 do Código Tributário Nacional).
Na hipótese em estudo, não se
observa nenhuma dessas figuras, mas apenas, como mencionado, a evolução do
sistema jurídico, por meio de mudança legislativa, gerando a modificação da
natureza da contribuição sindical, que deixou de ser obrigatória e, assim,
perdeu o caráter público, tendo em vista que as entidades sindicais, no Estado
Democrático de Direito, são entes de Direito Privado, não podendo ser mantidas
com recursos fiscais.
Não se trata, portanto, de isenção,
muito menos de “concessão de isenção em caráter não geral”, que dizem respeito
a tributos, uma vez que a contribuição sindical simplesmente deixou de ter
natureza tributária.
Ainda que assim não fosse, por qualquer
ângulo, a exigência formal mencionada poderia ser considerada suprida pela lei
orçamentária anual, pois, segundo o art. 165, § 6º, da Constituição da
República, o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções,
anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária
e creditícia. Nesse sentido, a Lei 13.587/2018 estima a receita e fixa a
despesa da União para o exercício financeiro de 2018.
O art. 146, inciso III, a, da Constituição da República
determina que cabe à lei complementar
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados na Constituição Federal de 1988, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes.
Essa previsão, entretanto, não
incide no caso em estudo, pois a contribuição sindical é disciplinada pela
Consolidação das Leis do Trabalho, que tem hierarquia de lei ordinária (em
harmonia com o art. 8º, inciso IV, parte
final, da Constituição da República), podendo ser modificada pela Lei
13.467/2017, mais especificamente quanto à sua natureza jurídica, ao deixar de
ser obrigatória.
Não se trata mais, assim, de
tributo, afastando por completo qualquer exigência de lei complementar sobre
normas gerais em matéria tributária e definição de tributos.
É certo que no sistema sindical
brasileiro ainda permanecem outras restrições à liberdade sindical, quais
sejam: unicidade sindical, base territorial mínima do sindicato de um município
e adoção do critério de categoria (art. 8º, inciso II, da Constituição Federal
de 1988).
Não obstante, a alteração dessas
previsões exige emenda constitucional, enquanto a obrigatoriedade da
contribuição sindical, diversamente, por ter natureza infraconstitucional, pode
ser realizada por meio de modificação legislativa, ou seja, na CLT, como
ocorreu no caso da Lei 13.467/2017.
Logo, como é evidente, não se pode
condicionar a eliminação da obrigatoriedade da contribuição sindical à
modificação desses outros aspectos relativos ao sistema sindical brasileiro.
A contribuição sindical
obrigatória, com natureza de tributo, em verdade, contraria não apenas o
princípio da liberdade sindical, mas a própria essência do Estado Democrático
de Direito, ao estabelecer o custeio das entidades sindicais, que têm natureza
privada, bem como das atividades sindicais, realizadas no plano da sociedade
civil, por meio de receitas de natureza pública, o que somente é admitido em
regimes não democráticos, autoritários e corporativistas, em que os sindicatos
são controlados e dependentes do poder público, exercendo funções por ele
delegadas.
Não há como se argumentar, ainda,
que a exclusão da obrigatoriedade quanto à contribuição sindical ocorreu sem o
prévio e amplo debate.
Em verdade, trata-se de questão
antiga, constantemente debatida nos planos social, econômico, jurídico e
político, sabendo-se que essa anomalia do sistema sindical brasileiro já
deveria ter sido corrigida há muito tempo (na linha do ocorrido em diversos
países que se redemocratizaram), como ressaltado constantemente pela doutrina
do Direito Coletivo do Trabalho à luz da liberdade sindical.
Não há qualquer exigência constitucional
de se estabelecer um regime de transição para a exclusão da obrigatoriedade da
contribuição sindical, mesmo porque as entidades sindicais, na realidade, já
deveriam ter se preparado para esse cenário bem antes. A Lei 13.467/2017, de
todo modo, sendo de julho de 2017, só entrou em vigor depois de 120 dias de sua
publicação oficial.
Note-se, ademais, que a
contribuição sindical, em si, não foi extinta, nem se deixou as organizações
sindicais sem qualquer possibilidade de obter recursos financeiros para as suas
atividades, pois apenas foi excluído o seu caráter compulsório, pelas razões
indicadas, sinalizando às entidades sindicais a necessidade de atuação com
efetiva legitimidade para viabilizar
a permanência no sistema, devendo demonstrar representatividade apta a elevar o quadro de associados e de
pessoas que queiram ou autorizem a contribuição. Além disso, há outras
modalidades de contribuições sindicais que não foram objeto de alteração.
É imprescindível, assim, que seja
respeitada a modificação legislativa em questão, aprovada pelo Congresso
Nacional, e não se restabeleça, por meio de decisão judicial, a herança autoritária, antidemocrática e corporativista
da ultrapassada obrigatoriedade da contribuição sindical em nosso sistema.
Por fim, cabe o registro de que o
Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes os pedidos formulados nas ações
diretas de inconstitucionalidade que questionavam o fim da obrigatoriedade da
contribuição sindical e procedente o pedido formulado na ação declaratória de
constitucionalidade (STF, Pleno, ADI 5.794/DF, ADI 5.912, ADI 5.923, ADI 5.859,
ADI 5.865, ADI 5.813, ADI 5.885, ADI 5.887, ADI 5.913, ADI 5.810, ADC 55, ADI
5.811, ADI 5.888, ADI 5.892, ADI 5.806, ADI 5.815, ADI 5.850, ADI 5.900, ADI
5.950, ADI 5.945, Red. p/ ac. Luiz Fux, j. 29.06.2018).
Portanto, em consonância com o
princípio da liberdade sindical, prevaleceu o entendimento de que a alteração
decorrente da Lei 13.467/2017, ao tornar facultativa a contribuição sindical, é
constitucional.
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