Correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública: divergências entre tribunais superiores
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, proferiu relevantes
decisões em recursos especiais repetitivos sobre a validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as
condenações impostas à Fazenda Pública,
conforme previstos no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei
11.960/2009.
Nesse sentido, foram firmadas as seguintes teses jurídicas:
“1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada
pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas
condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua
natureza.
1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção
monetária.
No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser
aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação
apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão
baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no
período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a
aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima
enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.
1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão.
A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização
monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de
remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de
março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na
aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em
relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.
2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei
11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos
débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da
caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública,
excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária.
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.
As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se
aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês;
correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da
Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de
janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à
vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada
a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei
11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de
poupança; correção monetária com base no IPCA-E.
3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados
públicos.
As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos,
sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao
mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de
Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir
de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês;
correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora:
remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.
3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e
indiretas.
No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas
e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e
compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da
Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da
mora nem para remuneração do capital.
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária
sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se
refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art.
41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração
oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela
Lei n. 11.960/2009).
3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.
A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de
indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo
pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são
calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra
isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a
utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros
índices.
4. Preservação da coisa julgada.
Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e
compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda
Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a
aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser
aferida no caso concreto” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.495.146/MG, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 02.03.2018. REsp 1.492.221/PR, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 20.03.2018. REsp 1.495.144/RS, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 20.03.2018).
Apesar do mérito de se procurar sistematizar o complexo tema, cabe
registrar ao menos duas observações a respeito das teses jurídicas fixadas pelo
STJ, mais especificamente quanto ao item 3 acima indicado.
Tendo em vista a competência absoluta da Justiça do Trabalho para
conhecer e julgar os conflitos decorrentes das relações de trabalho que digam
respeito a empregados públicos (art.
114, inciso I, da Constituição da República), os quais não se confundem com os
servidores públicos estatutários e de regime administrativo (pois estes são
excluídos da competência da Justiça do Trabalho, conforme decidido pelo STF na ADI
3.395/DF), revela-se inusitada a menção pelo STJ, no subitem 3.1.1
anteriormente transcrito, a condenações judiciais referentes a “empregados
públicos”.
É certo que o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, em arguição de
inconstitucionalidade, também decidiu que os créditos trabalhistas devem ser
atualizados com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Decidiu-se,
assim, ser inconstitucional a expressão “equivalentes à TRD”, prevista no art.
39, caput, da Lei 8.177/1991, dando
interpretação conforme a Constituição Federal para o restante do dispositivo,
com o objetivo de assegurar o direito à atualização monetária dos créditos
trabalhistas (TST, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas
Brandão, j. 04.08.2015).
Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho acolheu parcialmente embargos
de declaração para, atribuindo efeito modificativo ao mencionado julgado, no
que toca aos efeitos produzidos pela
decisão que acolheu a inconstitucionalidade, fixá-los a partir de 25 de março
de 2015, coincidindo com a data estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal
(TST, Pleno, ED-ArgInc - 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas
Brandão, DEJT 30.06.2017).
Em sentido divergente, a tese
jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça dispõe que as condenações
judiciais referentes a servidores e
empregados públicos sujeitam-se, quanto à correção monetária, à incidência
do IPCA-E a partir de janeiro/2001, bem como de agosto/2001 a junho/2009 e
mesmo a partir de julho/2009 (item 3.1.1).
A segunda observação diz respeito às condenações judiciais quanto a créditos de natureza previdenciária.
No caso de condenação da Fazenda Pública, o Supremo Tribunal Federal
fixou as seguintes teses de repercussão geral em recurso extraordinário:
“1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº
11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a
condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos
oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os
mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,
caput); quanto às condenações
oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios
segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional,
permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97
com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº
11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações
impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de
poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao
direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como
medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz
Fux, j. 20.09.2017).
No referido julgado, tendo como parte o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Supremo Tribunal Federal
deu parcial provimento ao recurso extraordinário para assentar a natureza
assistencial da relação jurídica examinada (caráter
não-tributário) e manter a concessão de benefício de prestação continuada
(Lei nº 8.742/93, art. 20) ao recorrido atualizado
monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na sentença e fixados
os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do
art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 (STF,
Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.09.2017).
Como se pode notar, o Pleno Supremo Tribunal Federal decidiu que, em se
tratando de condenação da Fazenda Pública quanto a direitos sem natureza
tributária (como é o caso também dos créditos de natureza previdenciária), a atualização monetária deve seguir o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E), inclusive no
período da dívida anterior à expedição do precatório (ou da requisição de
pequeno valor), bem como para a atualização monetária do precatório ou da
requisição de pequeno valor (ou seja, após sua expedição).
Entretanto, em sentido divergente, a tese jurídica fixada pelo Superior
Tribunal de Justiça dispõe que as condenações impostas à Fazenda Pública de
natureza previdenciária sujeitam-se à incidência
do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período
posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei
8.213/91 (item 3.2, anteriormente transcrito).
O Superior Tribunal de Justiça procurou justificar a posição adotada ao
assim asseverar:
“Cumpre registrar que a adoção do INPC não configura afronta ao que foi
decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE
870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E
para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o
qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93.
Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91,
abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária”
(STJ, 1ª Seção, REsp 1.492.221/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.02.2018,
trecho do voto).
Não obstante, conforme ficou explícito no mencionado julgado do Supremo
Tribunal Federal:
“A fim de evitar qualquer lacuna sobre o tema e com o propósito de guardar
coerência e uniformidade com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao
julgar a questão de ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425, entendo que devam ser
idênticos os critérios para a correção monetária de precatórios e de
condenações judiciais da Fazenda Pública. Naquela oportunidade, a Corte
assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios
deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial
(IPCA-E). Nesse exato sentido, voto pela aplicação do aludido índice a todas as
condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer que seja o ente
federativo de que se cuide” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j.
20.09.2017, trecho do voto).
Em verdade, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) não se
confunde com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial
(IPCA-E).
O INPC é previsto no art. 41-A da Lei 8.213/1991, acrescentado pela Lei
11.430/2006, para o fim específico de reajuste
anual do valor dos benefícios previdenciários em manutenção, mas não quanto
à condenação judicial, hipótese em que, na linha do decido pelo STF, deveria ser
aplicado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E).
Tanto é assim que, nos termos do art. 31 da Lei 13.408/2016, a
atualização monetária dos precatórios, determinada no art. 100, § 12, da
Constituição Federal de 1988, bem como das requisições de pequeno valor
expedidas no ano de 2017, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do
trabalho, deve observar, no exercício de 2017, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo – Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), da data do cálculo exequendo até o seu efetivo depósito, salvo
disposição superveniente que estabeleça outro índice de correção.
No mesmo sentido, o art. 29 da Lei 13.473/2017 estabelece que a
atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da
Constituição, bem como das requisições de pequeno valor expedidas no ano de
2018, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício
de 2018, a variação do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da data do cálculo exequendo até
o seu efetivo depósito, exceto se houver disposição superveniente que
estabeleça outro índice de correção.
Espera-se, assim, que as apontadas divergências sejam definitivamente superadas,
notadamente porque envolvem decisões de Tribunais Superiores, cabendo acompanhar
os desdobramentos finais da evolução da jurisprudência a respeito do relevante
tema.
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