Lei 13.467/2017: direitos trabalhistas no contexto dos direitos sociais, fundamentais e humanos
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
A Lei 13.467/2017, com início de
vigência em 11 de novembro de 2017, instituiu a chamada “Reforma Trabalhista”[1].
A par dos intensos debates a
respeito do tema, é imperioso analisar o mencionado diploma legal no contexto da
natureza jurídica dos direitos
trabalhistas, segundo as diretrizes constitucional e internacional.
Os direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, como sujeitos ativos da relação
de emprego, são formal e materialmente sociais, conforme revelam a evolução
histórica dos direitos fundamentais, a Constituição da República e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos.
No plano interno, a Constituição
Federal de 1988 dispõe sobre os direitos
sociais (arts. 6º a 11), inserindo-os no catálogo dos direitos fundamentais, como se observa do seu Título II.
Os direitos trabalhistas, nas esferas
individual e coletiva, desse modo, fazem parte dos direitos sociais e são,
inegavelmente, direitos fundamentais.
Mesmo no âmbito internacional, os
direitos sociais, neles incluídos os direitos trabalhistas, integram o rol dos direitos humanos.
Nesse sentido, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, determina que todo ser humano, como
membro da sociedade, tem direito à segurança
social e à realização dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis
à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade (art. 22).
De forma específica, os direitos
trabalhistas também são expressamente reconhecidos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (arts. 23 a 25).
Na mesma linha, o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, aprovado
e promulgado pelo Decreto 591/1992, garante os direitos sociais, nestes
incluídos os direitos trabalhistas (arts. 6º a 8º), como integrantes do Direito
Internacional dos Direitos Humanos.
Os direitos humanos, desse modo,
são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, o que é
confirmado pela Declaração de Viena, de 1993 (art. 5º), mesmo porque fundados
na dignidade, como atributo inerente
à pessoa humana (art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948).
Os direitos trabalhistas, assim,
não são simples direitos subjetivos, de caráter meramente privado, mas direitos sociais, fundamentais e humanos,
cabendo ressaltar a cláusula de abertura
no sentido de que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, §
2º, da Constituição Federal de 1988).
Portanto, os direitos trabalhistas,
sejam aqueles decorrentes da Constituição e de normas internacionais, explícitos
ou implícitos, sejam os garantidos no sistema jurídico infraconstitucional, mantêm
a natureza de direitos sociais, fundamentais e humanos.
A Constituição da República, além de
arrolar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, também garante outros direitos “que visem à melhoria de
sua condição social” (art. 7º, caput).
Logo, o princípio da proteção, inerente ao Direito do Trabalho, com
destaque à prevalência da norma mais favorável, tem hierarquia constitucional e
integra as chamadas cláusulas pétreas
(arts. 5º, § 2º, 7º, caput, e 60, §
4º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988).
Além disso, mesmo os direitos
trabalhistas previstos em normas infraconstitucionais, como na legislação,
foram constitucionalizados como
direitos materialmente fundamentais e integram o bloco de constitucionalidade.
Os direitos humanos, fundamentais e
sociais, desse modo, não se restringem àqueles explicitamente arrolados, mas
abrangem os implícitos ao sistema constitucional e internacional (arts. 5º, §
2º, e 7º, caput, da Constituição
Federal de 1988).
Ademais, o rol dos direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais inclui o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art.
7º, inciso XXVI, da Constituição da República).
As normas coletivas negociadas,
desse modo, são fontes formais autônomas,
produzidas pelos entes sociais (art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal de
1988), fazendo parte do sistema jurídico, o qual é caracterizado pelo
pluralismo, por serem legitimamente reconhecidas no Estado Democrático de
Direito.
Cabe reiterar que as convenções
coletivas e os acordos coletivos são previstos como direitos dos trabalhadores (e não dos empregadores), não podendo,
desse modo, ser desvirtuados para se voltar justamente contra os seus titulares,
que são os empregados.
Em outras palavras, a negociação
coletiva é prevista como meio de se concretizar o mandamento de melhoria das condições sociais dos
trabalhadores, não podendo servir para reduzir, sem justificativa
constitucional (art. 7º, incisos VI, XIII e XIV), ou eliminar direitos
trabalhistas, sejam eles assegurados em normas constitucionais, internacionais
ou infraconstitucionais.
A legislação infraconstitucional,
como é o caso da Lei 13.467/2017, evidentemente, para ser válida, deve
respeitar as determinações hierarquicamente superiores, decorrentes do Direito
Constitucional e Internacional dos Direitos Humanos.
Em matéria trabalhista, como
mencionado, a Constituição da República determina a melhoria das condições
sociais dos trabalhadores (art. 7º, caput),
e não a piora do patamar de direitos dos empregados e da sua disciplina
jurídica e legislativa.
No plano externo, o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece que cada
Estado Parte, como é o caso do Brasil, compromete-se a adotar medidas,
principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos
disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente,
por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos em questão,
incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas (art. 2º).
Fica nítida, assim, a determinação
cogente de que os direitos trabalhistas, como direitos sociais, humanos e
fundamentais, devem ser assegurados de forma progressiva, não se admitindo
retrocessos.
A República Federativa do Brasil,
por imperativo constitucional e compromisso internacional, deve adotar medidas
legislativas que resultem no aperfeiçoamento dos direitos sociais, nos quais se
inserem os direitos trabalhistas, e não na sua redução, precarização ou
extinção.
Isso está em harmonia com fundamentos do Estado Democrático de
Direito, com destaque à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa (art. 1º da Constituição da República).
O exposto, da mesma forma, concilia-se com os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e
solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a
marginalização, reduzir as desigualdades
sociais, bem como promover o bem de
todos (art. 3º da Constituição Federal de 1988).
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
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[1]
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma
trabalhista. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 19.