Liberdade sindical e reforma trabalhista
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
Uma das principais propostas que integram a reforma trabalhista é no
sentido de a negociação coletiva estabelecer disposições que prevaleçam sobre a
lei.
Evidentemente, as normas coletivas negociadas, quando preveem direitos de
forma mais favorável aos trabalhadores, são plenamente aplicáveis, em
consonância com a determinação constitucional de melhoria de suas condições
sociais (art. 7º, caput, da
Constituição da República).
Discute-se, entretanto, se a convenção e o acordo coletivo, reconhecidos
e integrantes do catálogo de direitos
fundamentais sociais (art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988),
podem estabelecer de forma menos benéfica aos empregados do que o disposto na
legislação trabalhista.
Nesse aspecto, é importante registrar que a Constituição da República
prevê as hipóteses em que, de forma excepcional e justificada, em situações de
crise econômica, admite-se a flexibilização das condições de trabalho,
envolvendo redução de salário, jornada de trabalho e turnos ininterruptos de
revezamento (art. 7º, incisos VI, XIII e XIV), com o objetivo de proteção ao
emprego.
O aprimoramento das condições de trabalho, adaptando-as à realidade de
cada momento, grupo ou setor, é função a ser exercida, com responsabilidade,
pelos entes sindicais, por meio da negociação coletiva de trabalho.
Ainda assim, cabe verificar se os instrumentos normativos negociados, de
forma ampla e genérica, podem estabelecer condições de trabalho inferiores ao
determinado pela legislação trabalhista.
A verdade é que algo nesse sentido apenas tem condições de ser
legitimamente defendido em sistemas de plena liberdade sindical.
Isso, entretanto, não é o que ocorre no Brasil, em que se adota a
unicidade sindical.
No sistema brasileiro, apenas se admite um único sindicato que represente
certa categoria em determinada base territorial, não por escolha dos interessados,
mas sim por imposição legal e constitucional[1].
Efetivamente, o art. 8º, inciso II, da Constituição da República, veda a
criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa
de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será
definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser
inferior à área de um Município.
Além disso, o sindicato representa todos os integrantes da categoria,
independentemente da manifestação de vontade dos trabalhadores e empregadores
abrangidos, e não apenas os filiados (art. 8º, inciso III, da Constituição da
República).
Sendo assim, é evidente que a negociação coletiva de trabalho realizada
por sindicato único não possui legitimidade democrática para dispor de forma
contrária à lei, em prejuízo dos trabalhadores, mesmo porque estes não têm
assegurada a liberdade sindical de constituir e se filiar a outras entidades
sindicais concorrentes, relativas à mesma atividade desenvolvida na base
territorial.
Portanto, é manifestamente insustentável pretender que a norma coletiva
negociada disponha sobre condições de trabalho em patamar inferior ao legal,
fora das hipóteses admitidas na Constituição, por meio de entidades sindicais
sem efetiva representatividade, a qual exige a ampla liberdade sindical em suas
diferentes dimensões, quais sejam: de associação, fundação, filiação,
administração, organização e exercício de funções.
O sistema sindical brasileiro, mesmo com a Constituição de 1988, ainda
impõe diversas restrições à liberdade sindical, com destaque à mencionada
unicidade sindical, à base territorial mínima municipal e à adoção do critério
categoria, inviabilizando até mesmo a ratificação da Convenção 87 da
Organização Internacional do Trabalho, de 1948.
Não há como se admitir que a convenção e o acordo coletivo estabeleçam
direitos em patamar inferior ao legal, e isso se aplique a empregados que nem
sequer se filiaram à entidade sindical envolvida, ou mesmo que não tiveram a
possibilidade de se associar a sindicato diverso, em razão da ausência de
representatividade e legitimidade do ente pactuante que caracteriza o sistema
de unicidade sindical.
Desse modo, antes de se propor a prevalência da
negociação coletiva em face da legislação trabalhista, é imprescindível a
instituição, de forma plena, da liberdade sindical, como requisito para a legitimidade
democrática do que vier a ser autonomamente pactuado.
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
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[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do
trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1347-1348.