Princípio da presunção de inocência e regra da prisão (não cautelar) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutor em Direito
pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e
Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Advogado. Foi Juiz
do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério
Público da União e ex-Auditor Fiscal do Trabalho.
Discute-se se, no sistema jurídico
brasileiro, para a prisão, exige-se, ou não, o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.
A resposta dessa questão impõe a
diferenciação entre o princípio da
presunção de inocência e a regra da
prisão em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado.
O princípio
da presunção de inocência é assegurado no art. 14, item 2, do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, aprovado pelo
Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226/1991 e promulgado pelo
Decreto 592/1992, ao assim estabelecer: “Toda pessoa acusada de um delito terá
direito a que se presuma sua inocência
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
No mesmo sentido dispõe o art. 8,
item 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), de 1969, promulgada pelo Decreto 678/1992.
Trata-se de norma que faz parte do
Direito Internacional dos Direitos Humanos, cabendo lembrar que os direitos e
garantias expressos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988,
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º, da Constituição
Federal de 1988), como ocorre no caso em questão.
Vale dizer, o princípio da presunção de inocência é direito humano, no âmbito
jurídico internacional, e direito fundamental, no plano constitucional.
Diversamente, a prisão em decorrência
de sentença condenatória transitada em julgado, em verdade, é prevista em norma
jurídica com natureza de regra, tendo
como fundamento o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, ao
assim estabelecer: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória”.
Não se trata, nesse caso, de “mandamento
de otimização” (Robert Alexy), a ser aplicado conforme as condições de fato e
de direito que se fizerem presentes, e que poderia deixar de incidir em razão
de outros princípios em colisão em cada caso concreto, mas sim de determinação
(regra) a ser integralmente cumprida justamente na forma como validamente estabelecida.
Reconhece-se que a literalidade do
mencionado preceito constitucional não prevê que ninguém será “preso” até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas sim que ninguém será “considerado
culpado” até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Entretanto, no contexto
jurídico-constitucional, essa prisão (que não tem natureza cautelar) decorre,
evidentemente, de ser o sujeito considerado culpado.
Não ser alguém considerado culpado,
mas, ainda assim, determinar-se a sua prisão (não cautelar), seria nítida
contradição lógico-jurídica, esvaziando-se por completo a mencionada garantia e
determinação (regra) constitucional[1].
É certo ainda que a Constituição da
República, no art. 5º, inciso LXI, estabelece que “ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Não obstante, essa norma
constitucional, também com natureza de regra, obviamente, versa sobre a prisão cautelar, dizendo respeito, em
essência, à prisão em flagrante, à prisão preventiva e à prisão temporária[2].
Vale dizer, o art. 5º, inciso LXI, da
Constituição Federal de 1988 não dispõe sobre a prisão decorrente de sentença condenatória.
Nessa hipótese específica, de prisão não cautelar, incide o já mencionado art.
5º, inciso LVII, da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Como se pode notar, para a prisão
decorrente de sentença penal condenatória, isto é, para a prisão não cautelar,
a norma constitucional exige, invariavelmente, o trânsito em julgado.
Reitere-se que se a pessoa, segundo a
regra constitucional, não é considerada culpada até o trânsito em julgado, levá-la
à prisão, mesmo assim, sem que esta tenha natureza cautelar, seria manifesta
contrariedade à garantia fundamental em destaque, eliminando-a, em termos
práticos, por completo.
Justamente por isso, e em plena
harmonia com as regras do art. 5º, incisos LVII e LXI, da Constituição da
República, o art. 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.403/2011,
assim determina: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em
virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Reitera-se, portanto, a regra
jurídica de que a prisão não cautelar decorrente de sentença penal condenatória
exige, sempre, o trânsito em julgado desta.
Ou seja, como anteriormente
explicitado, exceto nos casos de prisão em flagrante delito, de prisão
temporária e de prisão preventiva, para a prisão não cautelar, decorrente de
sentença penal condenatória, é imprescindível o seu trânsito em julgado.
Como registro final, frise-se que a
conclusão apresentada, como não poderia deixar de ser, resulta da rigorosa
interpretação estritamente jurídica
das normas incidentes quanto ao tema.
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
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[1] “O
postulado constitucional da não culpabilidade impede que o Estado trate, como
se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. A
prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF,
art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou
jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário,
culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e
da ordem” (STF, 2ª T, HC 89.501, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12.12.2006, DJ de
16.03.2007).
[2]
“Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que a prisão cautelar
não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, conclusão essa
que decorre da conjugação dos incisos LVII, LXI e LXVI do art. 5º da CF” (STF,
1ª T, HC 71.169, Rel. Min. Moreira Alves, j. 26.04.1994, DJ de 16.09.1994).