Responsabilidade do dono da obra por débitos trabalhistas do empreiteiro
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho, pela Subseção 1 Especializada em
Dissídios Individuais, ao julgar incidente de recurso de revista repetitivo (IRR-190-53.2015.5.03.0090),
definiu importante questão sobre a responsabilidade do dono da obra quanto a obrigações
trabalhistas do empreiteiro.
Primeiramente, cabe esclarecer que o
art. 455, caput, da CLT versa sobre os contratos de subempreitada,
estabelecendo a responsabilidade do subempreiteiro pelas obrigações derivadas
do contrato de trabalho que celebrar. Nada mais coerente, pois o
subempreiteiro, como empregador, responde pelos direitos trabalhistas de seus
empregados.
O mesmo dispositivo, entretanto,
amplia a regra de responsabilidade, ao prever o cabimento do “direito de
reclamação”, pelos empregados do subempreiteiro, “contra o empreiteiro
principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro”.
Como se nota, o empreiteiro, mesmo
não sendo o empregador, responde pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas
dos empregados do subempreiteiro contratado. Tanto é assim que o parágrafo
único do art. 455 da CLT ressalva ao empreiteiro, nos termos da lei civil, ação
regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas,
para a garantia das obrigações previstas no referido dispositivo legal.
Logo, apesar da responsabilidade do
empreiteiro, a lei indica que o responsável principal, na realidade, é o
empregador (subempreiteiro).
Observa-se que a
responsabilidade do empreiteiro é subsidiária,
pois o parágrafo único do art. 455 da CLT, ressalva o exercício do direito de
regresso pelo empreiteiro que pagar o crédito trabalhista, em face do
subempreiteiro, reembolsando-se, assim, da totalidade do valor pago,
justamente porque este é devedor e o responsável principal. A mesma norma
assegura o direito de retenção de importância a este devida.
Se a hipótese
fosse de responsabilidade solidária, o pagamento pelo empreiteiro apenas
acarretaria o direito deste exigir, do subempreiteiro, a sua quota, presumindo-se
iguais, no débito, as partes de todos os codevedores (art. 283 do Código
Civil).
Como a
responsabilidade do empreiteiro surge somente se houver o inadimplemento pelo
subempreiteiro, o patrimônio daquele responde, para a satisfação do crédito
trabalhista, apenas na ausência de bens deste, que é o efetivo devedor e o responsável
principal[1].
A rigor, o art. 455 da CLT, ao tratar
da relação do empreiteiro com subempreiteiro, não prevê a responsabilidade automática do dono da obra, ou seja,
daquele contratou o empreiteiro, quanto às obrigações trabalhistas pertinentes
aos empregados deste último.
Eis a explicação para o que dispõe a
Orientação Jurisprudencial 191 da SBDI-I do TST, com a seguinte redação:
“Contrato de empreitada. Dono da obra
de construção civil. Responsabilidade. Diante da inexistência de previsão legal
específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e
o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas
obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra
uma empresa construtora ou incorporadora”.
Seguindo essa linha de entendimento,
se a empresa, não sendo uma construtora nem incorporadora, apenas contrata o
empreiteiro, por ser mera dona da obra, e não tomadora de serviços
terceirizados, não responde automaticamente por obrigações trabalhistas pertinentes
aos empregados do empreiteiro.
De acordo com a parte final desse
verbete jurisprudencial, se o dono da obra for uma empresa construtora ou
incorporadora, pode responder, de forma solidária ou subsidiária, pelas
obrigações trabalhistas originadas de contratos de emprego mantidos pelo
empreiteiro.
A ressalva se justifica porque, nesse
caso, observa-se terceirização de serviço pela empresa construtora ou
incorporadora, ao transferir parte de sua atividade ao empreiteiro.
Por isso, mesmo figurando como
tomadora de serviço terceirizado licitamente, incide a responsabilidade
subsidiária, conforme o art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela
Lei 13.429/2017, e a Súmula 331, item IV, do TST.
Tratando-se de mera intermediação irregular de mão de obra, por meio de
empresa interposta, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a empresa
tomadora (Súmula 331, item I, do TST), desde que não se trate de ente
integrante da administração pública (Súmula 331, item II, do TST).
Mais recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento de
incidente de recurso de revista repetitivo, fixou as seguintes teses jurídicas
a respeito do tema:
“I) A exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária por obrigação
trabalhista a que se refere a Orientação Jurisprudencial 191 da SDI-1 do TST
não se restringe à pessoa física ou micro e pequenas empresas, compreende
igualmente empresas de médio e grande porte e entes públicos (decidido por
unanimidade);
II) A excepcional responsabilidade por obrigações trabalhistas prevista
na parte final da Orientação Jurisprudencial 191, por aplicação analógica do
artigo 455 da CLT, alcança os casos em que o dono da obra de construção civil é
construtor ou incorporador e, portanto, desenvolve a mesma atividade econômica
do empreiteiro (decidido por unanimidade);
III) Não é compatível com a diretriz sufragada na Orientação
Jurisprudencial 191 da SDI-1 do TST jurisprudência de Tribunal Regional do
Trabalho que amplia a responsabilidade trabalhista do dono da obra, excepcionando
apenas ‘a pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não
exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado’ (decidido por
unanimidade);
IV) Exceto ente público da Administração Direta e Indireta, se houver
inadimplemento das obrigações trabalhistas contraídas por empreiteiro que
contratar, sem idoneidade econômico-financeira, o dono da obra responderá
subsidiariamente por tais obrigações, em face de aplicação analógica do artigo
455 da CLT e culpa in elegendo
(decidido por maioria, vencido o Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro)” (TST,
SBDI-I, IRR - 190-53.2015.5.03.0090, Rel. Min. João Oreste Dalazen, j.
11.05.2017).
O maior destaque volta-se ao item IV, acima indicado, ao passar a prever
que o dono da obra deve responder de forma subsidiária pelo inadimplemento dos
créditos trabalhistas devidos pelo empreiteiro (quanto aos seus empregados)
quando ficar demonstrada a inidoneidade econômica e financeira deste, com
fundamento na analogia (arts. 8º, caput,
e 455 da CLT) e na culpa do dono da obra na escolha do referido empreiteiro.
A solidariedade não se presume, por resultar da lei ou da vontade das
partes (art. 265 do Código Civil), o que também deve ser aplicado,
naturalmente, à responsabilidade subsidiária. Portanto, o mais adequado seria a
responsabilidade do dono da obra decorrer de expressa previsão legislativa,
respeitando-se, inclusive, o princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da
Constituição da República).
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
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[1]
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso
de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 425-426.