Terceirização na administração pública: alterações decorrentes do Decreto 9.507/2018
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
A terceirização, entendida como
prestação de serviços a terceiros, é a transferência da execução de atividades
do ente tomador (contratante) a empresas prestadoras de serviços (art. 4º-A da
Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).
Em se tratando da administração pública, devem ser observadas certas
disposições específicas a respeito, como a exigência de licitação na
contratação de serviços, ressalvados os casos especificados na legislação (art.
37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988).
Além disso, a terceirização não pode acarretar o descumprimento da
exigência constitucional de aprovação prévia em concurso público para a
investidura em cargo ou emprego público (art. 37, inciso II, da Constituição da
República)[1].
De acordo com o Decreto-lei 200/1967, para melhor se desincumbir das
tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, e com o objetivo
de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração
pública deve procurar se desobrigar da realização material de tarefas
executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área,
iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os
encargos de execução (art. 10, § 7º).
De forma mais recente, o Decreto 9.507, de 21 de setembro de 2018, dispõe
sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das
sociedades de economia mista controladas pela União (art. 1º). O Decreto 9.507/2018
entra em vigor 120 dias após a data de sua publicação (art. 18), ocorrida em
24.09.2018.
Ato do Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão deve
estabelecer os serviços que serão preferencialmente
objeto de execução indireta mediante contratação (art. 2º do Decreto
9.507/2018).
Conforme o art. 3º do Decreto 9.507/2018, não serão objeto de execução
indireta na administração pública federal
direta, autárquica e fundacional, os serviços: que envolvam a tomada de
decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação,
supervisão e controle; que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a
entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e
de conhecimentos e tecnologias; que estejam relacionados ao poder de polícia,
de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; que
sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do
órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar
de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
Os serviços auxiliares,
instrumentais ou acessórios podem ser executados de forma indireta, sendo vedada
a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos
ou a tomada de decisão para o contratado. Entretanto, os serviços auxiliares,
instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao
exercício do poder de polícia não
serão objeto de execução indireta.
Nas empresas públicas e nas
sociedades de economia mista controladas pela União, não serão objeto de
execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de
profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus
Planos de Cargos e Salários, exceto se contrariar os princípios administrativos
da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de,
ao menos, uma das seguintes hipóteses: caráter temporário do serviço;
incremento temporário do volume de serviços; atualização de tecnologia ou
especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo
ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou impossibilidade de competir no
mercado concorrencial em que se insere (art. 4º do Decreto 9.507/2018). Trata-se
de exceção que, por fazer menção a preceitos genéricos, pode dar margem a
questionamentos.
Os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as
atribuições da contratante devem atuar somente no desenvolvimento dos serviços
contratados. Não se aplica a vedação do art. 4º do Decreto 9.507/2018 quando se
tratar de cargo extinto ou em processo de extinção.
O Conselho de Administração ou órgão equivalente das empresas públicas e
das sociedades de economia mista controladas pela União deve estabelecer o
conjunto de atividades que são passíveis de execução indireta, mediante
contratação de serviços.
Embora o Decreto 9.507/2018 estabeleça certa disciplina delimitadora
quanto à execução indireta de serviços da administração pública federal,
observa-se nítida ampliação quanto à
admissão da terceirização nesse âmbito, notadamente quando se compara com as
previsões do Decreto 2.271/1997[2], o
qual é revogado (art. 17 do Decreto 9.507/2018). A interpretação conforme a
Constituição da República, assim, impõe que se observe a exigência de aprovação
prévia em concurso público para a
investidura em cargo ou emprego público
(art. 37, inciso II).
É vedada a contratação, por órgão ou entidade da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das
sociedades de economia mista controladas pela União (art. 1º do Decreto
9.507/2018), de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder
de direção que tenham relação de
parentesco com: detentor de cargo em comissão ou função de confiança que
atue na área responsável pela demanda ou pela contratação; ou autoridade
hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade (art. 5º do
Decreto 9.507/2018). Trata-se de proibição que tem como fundamento os princípios da impessoalidade e da moralidade
na administração pública (art. 37, caput,
da Constituição da República).
Para a execução indireta de serviços, no âmbito dos órgãos e das
entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e
das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela
União, as contratações devem ser precedidas de planejamento e o objeto será
definido de forma precisa no instrumento convocatório, no projeto básico ou no
termo de referência e no contrato como exclusivamente de prestação de serviços (art. 6.º do Decreto 9.507/2018).
Merece destaque a previsão do art. 7º do Decreto 9.507/2018, no sentido
de ser vedada a inclusão de
disposições nos instrumentos convocatórios que permitam: a indexação de preços
por índices gerais, nas hipóteses de alocação de mão de obra; a caracterização do objeto como fornecimento
de mão de obra; a previsão de reembolso de salários pela contratante; a pessoalidade e a subordinação direta dos
empregados da contratada aos gestores da contratante.
Os arts. 8º e 9º do Decreto 9.507/2018 dispõem sobre disposições
contratuais obrigatórias, os arts. 10 e 11 tratam da gestão e fiscalização da
execução dos contratos, e os arts. 12 e 13 versam sobre repactuação e reajuste.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista controladas pela
União devem adotar os mesmos parâmetros das sociedades privadas naquilo que não
contrariar seu regime jurídico e o disposto no Decreto 9.507/2018 (art. 14).
Nesse sentido, cabe à lei estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços,
dispondo sobre a sujeição ao regime
jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º,
inciso II, da Constituição da República).
A Lei 13.303/2016 dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer
empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção
ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica
esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços
públicos.
Ainda quanto ao tema, cabe ressaltar
que o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O
inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não
transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo
seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71,
§ 1º, da Lei nº 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz
Fux, DJe 02.05.2017).
No mencionado julgado, sobre terceirização no âmbito da
administração pública, o STF já havia indicado a possibilidade de terceirização
mais ampla, entendendo-se como superada a distinção entre atividade-fim e
atividade-meio[3].
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
Conheça o catálogo do autor: https://professorgustavogarcia.blogspot.com/p/obras.html
[1]
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceirização:
trabalho temporário, cooperativas de trabalho. 3. ed. Salvador: JusPodivm,
2017. p. 67-69.
[2]
“Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais
acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de
competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação,
limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção,
reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e
instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não
poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias
funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa
disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou
parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal”.
[3] “Recurso
extraordinário representativo de controvérsia com repercussão geral. Direito
Constitucional. Direito do Trabalho. Terceirização no âmbito da administração
pública. Súmula 331, IV e V, do TST. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da
Lei nº 8.666/93. Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de
postos de trabalho e atendimento das demandas dos cidadãos. Histórico
científico. Literatura: economia e administração. Inexistência de precarização
do trabalho humano. Respeito às escolhas legítimas do legislador. Precedente:
ADC 16. Efeitos vinculantes. Recurso parcialmente conhecido e provido. Fixação
de tese para aplicação em casos semelhantes. 1. A dicotomia entre
‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica
da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com
vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou
serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado
por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social
das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais
valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no
sentido de que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente
reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das
atividades que previamente consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford
University Press, 2007). 2. A cisão de atividades entre pessoas
jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando
estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira,
de configuração das empresas, incorporada à Administração Pública por
imperativo de eficiência (art. 37, caput,
CRFB), para fazer frente às exigências dos consumidores e cidadãos em geral,
justamente porque a perda de eficiência representa ameaça à sobrevivência da
empresa e ao emprego dos trabalhadores. 3. Histórico científico: Ronald H. Coase, ‘The Nature of The Firm’, Economica (new series),
Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial
é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da
firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em
sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção
perante terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método
segundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício.
4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como
modelo organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos
de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e
serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se
concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando
a função de ‘arquiteto vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’. 5. A
terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas
pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii)
redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e
atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v)
precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à
competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a
necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de
possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios
cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos
iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes;
(xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou
matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da
companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos;
(xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não
comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores
estratégicos; (xiv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se
comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de
administração, know-how e estrutura,
para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo
dever de eficiência (art. 37, caput,
da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de
serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando
demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não
importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei
nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº
9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com
referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da
Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. Cezar Peluso,
Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente
conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese
para casos semelhantes: ‘O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos
empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público
contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou
subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’” (STF, Pleno, RE
760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 12.09.2017).