Terceirização na reforma trabalhista e impactos da recente jurisprudência do STF
GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado
em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela
Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho,
ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do
Trabalho.
A terceirização pode ser
entendida como a transferência da execução de atividades da empresa tomadora
(contratante) a empresas prestadoras de serviços.
Trata-se de tema que sempre desperta debates e controvérsias,
propondo-se, no presente texto, a sua análise em termos estritamente técnicos e
jurídicos.
Adotando-se o atual critério legal, a terceirização, como prestação de
serviços a terceiros, é a transferência feita pela contratante (tomadora) da
execução de quaisquer de suas atividades, inclusive
sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de
serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art.
4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).
A terceirização, como se pode notar, envolve uma relação trilateral entre
o empregado, a empresa prestadora de serviço (empregador) e a empresa tomadora
(contratante dos serviços).
Entre a empresa tomadora (contratante) e a prestadora de serviço é
firmado um contrato de natureza civil ou empresarial (contrato de prestação de
serviços). Diversamente, entre a empresa prestadora de serviço e o empregado é
firmado o contrato de trabalho.
O vínculo de emprego, assim, existe entre o empregado e a empresa
prestadora de serviço, mas aquele presta o serviço à empresa tomadora
(contratante)[1].
Segundo o atual critério legal, admite-se
a terceirização de forma ampla, ou seja, de quaisquer das atividades da
contratante (tomadora), inclusive de sua atividade principal.
Logo, com a reforma trabalhista, já estava superada a distinção entre
atividades-fim e atividades-meio, anteriormente adotada pela jurisprudência,
como se observava na Súmula 331, item III, do TST, a qual não mais prevalece.
Nessa linha, mais recentemente, o
Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “É lícita
a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas
jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas
envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”
(STF, Pleno, RE 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 30.08.2018).
O Supremo Tribunal Federal também
julgou procedente o pedido em
arguição de descumprimento de preceito fundamental (em que se questionou a
constitucionalidade da interpretação adotada em reiteradas decisões da Justiça
do Trabalho que restringiam a terceirização com base na Súmula 331 do Tribunal
Superior do Trabalho) e firmou a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de
toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego
entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à
contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da
terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas
trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da
Lei 8.212/1991”. O Relator esclareceu que a referida decisão não afeta
automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada
(STF, Pleno, ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.08.2018).
Ainda assim, salvo no caso
de trabalho temporário, entende-se que a intermediação
de mão de obra não deve ser admitida, por resultar em fraude ao vínculo de
emprego com o efetivo empregador (art. 9º da CLT) e em violação ao valor social
do trabalho (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República), o qual não pode
ser tratado como mercadoria (Declaração de Filadélfia, da Organização
Internacional do Trabalho, item I, a).
Desse modo, a
terceirização deve envolver a prestação de serviços
e não o fornecimento de trabalhadores por meio de empresa interposta.
Isso é confirmado pelo art.
5º-B da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017, no sentido de que o contrato
de prestação de serviços deve conter: qualificação das partes; especificação do serviço a ser prestado;
prazo para realização do serviço, quando for o caso; valor.
Além disso, a empresa
prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por
seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços
(art. 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017).
A parte final desse
dispositivo expressamente permite a chamada terceirização
em cadeia, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras
empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa tomadora. A
rigor, essa hipótese pode se distinguir da quarteirização,
na qual certa empresa é contratada para administrar e gerir os diversos
contratos de prestação de serviços mantidos pela empresa contratante.
O empregador do empregado
terceirizado é a empresa prestadora de serviços. Logo, esta contrata, remunera
e dirige o trabalho realizado pelos seus empregados, ou seja, exerce o poder de
direção (arts. 2º e 3º da CLT). Vale dizer, a subordinação jurídica do
empregado terceirizado existe em face da empresa prestadora de serviços (e não
do tomador ou contratante).
A empresa contratante
(tomadora) é subsidiariamente responsável
pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação
de serviços (como já se previa na Súmula 331, itens IV e VI, do TST), e o
recolhimento das contribuições previdenciárias deve observar o disposto no art.
31 da Lei 8.212/1991 (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei
13.429/2017).
Ainda quanto ao tema, o
Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O
inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não
transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo
seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71,
§ 1º, da Lei nº 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, DJe 02.05.2017).
Por fim, cabe o registro de que no referido julgado,
sobre terceirização no âmbito da administração pública, o Supremo Tribunal
Federal já havia antecipado que a distinção entre atividade-fim e
atividade-meio está superada, como se
observa no item 1 da respectiva ementa[2].
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[1]
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceirização:
trabalho temporário, cooperativas de trabalho. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
p. 13-14.
[2] “Recurso
extraordinário representativo de controvérsia com repercussão geral. Direito
Constitucional. Direito do Trabalho. Terceirização no âmbito da administração
pública. Súmula 331, IV e V, do TST. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da
Lei nº 8.666/93. Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de
postos de trabalho e atendimento das demandas dos cidadãos. Histórico
científico. Literatura: economia e administração. Inexistência de precarização
do trabalho humano. Respeito às escolhas legítimas do legislador. Precedente:
ADC 16. Efeitos vinculantes. Recurso parcialmente conhecido e provido. Fixação
de tese para aplicação em casos semelhantes. 1. A dicotomia entre
‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica
da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com
vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou
serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado
por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social
das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais
valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no
sentido de que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente
reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das
atividades que previamente consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational
Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007). 2.
A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer
intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º,
IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada
à Administração Pública por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às
exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de
eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos
trabalhadores. 3. Histórico
científico: Ronald H. Coase,
‘The Nature of The Firm’, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405,
1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a
distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas
fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura
quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante
terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método segundo o
qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício. 4. A
Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo
organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de
performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e
serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se
concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando
a função de ‘arquiteto vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’. 5. A
terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas
pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii)
redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e
atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v)
precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à
competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a
necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de
possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios
cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos
iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes;
(xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou
matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da
companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos;
(xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não
comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores
estratégicos; (xiv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se
comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de
administração, know-how e estrutura,
para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo
dever de eficiência (art. 37, caput,
da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de
serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando
demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não
importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei
nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº
9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com
referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da
Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO,
Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente
conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese
para casos semelhantes: ‘O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos
empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público
contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou
subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’” (STF, Pleno, RE
760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 12.09.2017).