Declaração de direitos de liberdade econômica e valorização do trabalho humano
GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.
A Lei 13.874, de 20 de setembro de
2019, instituiu a Declaração de Direitos
de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre
iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a
atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do
art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal de 1988 (art. 1º da Lei
13.874/2019).
Entretanto, deve-se ressaltar que a
livre iniciativa não é o único fundamento do Estado Democrático de Direito,
merecendo destaque a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.
Nesse sentido, a República
Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa
humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político (art. 1º da Constituição da República).
Mesmo a ordem econômica não é
fundada apenas na livre iniciativa.
Na verdade, a ordem econômica é
fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I -
soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do
pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
País (art. 170 da Constituição Federal de 1988).
É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único,
da Constituição da República).
Nesse contexto, são princípios que
norteiam o disposto na Lei 13.874/2019: I - a liberdade como uma garantia no
exercício de atividades econômicas; II - a boa-fé do particular perante o poder
público; III - a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o
exercício de atividades econômicas; IV - o reconhecimento da vulnerabilidade do
particular perante o Estado (art. 2º da Lei 13.874/2019). Cabe ao regulamento
dispor sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV, limitados
a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.
Como agente normativo e regulador
da atividade econômica, o Estado deve exercer, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado (art. 174 da Constituição Federal de
1988).
O disposto na Lei 13.874/2019 deve
ser observado na aplicação e na interpretação do Direito Civil, Empresarial,
Econômico, Urbanístico e do Trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no
seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das
profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito,
transporte e proteção ao meio ambiente (art. 1º, § 1º, da Lei 13.874/2019).
Na realidade, os mandamentos
constitucionais, notadamente os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, é que devem nortear a
aplicação e a interpretação do Direito, inclusive do Direito Civil,
Empresarial, Econômico, Urbanístico e do Trabalho.
Portanto, em consonância com o art.
3º da Constituição Federal de 1988, constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Interpretam-se em favor da
liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e
à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas
privadas (art. 1º, § 2º, da Lei 13.874/2019).
Ainda assim, cabe salientar que no
Estado Democrático de Direito os contratos e a propriedade devem atender a sua
função social (arts. 5º, inciso XXIII, 170, inciso III, 182, § 2º, e 186 da
Constituição da República), respeitando as normas de ordem pública.
A liberdade contratual deve ser
exercida nos limites da função social do contrato (art. 421 do Código Civil,
com redação dada pela Lei 13.874/2019).
Frise-se que um dos direitos de
toda pessoa, natural ou jurídica, essencial para o desenvolvimento e o
crescimento econômicos do País, observando-se o disposto no parágrafo único do
art. 170 da Constituição Federal de 1988, é o de desenvolver atividade
econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que
para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas, entre
outras, as normas de proteção ao meio ambiente e a legislação trabalhista (art. 3º, inciso II, alíneas a e c,
da Lei 13.874/2019).
Saliente-se, por fim, que os
preceitos relativos à ordem econômica devem estar em harmonia com a ordem
social, a qual tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da
Constituição da República).
Em conclusão, tendo sido instituída a Declaração de
Direitos de Liberdade Econômica, espera-se que também o seja a Declaração de Direitos de Valorização do
Trabalho Humano, em consonância com os fundamentos constitucionais da ordem
econômica, a qual tem como fim, no Estado Democrático de Direito, assegurar a
existência digna, segundo os ditames da justiça social, bem como os da ordem
social, alicerçada na primazia do trabalho.