Cumulação de adicionais de periculosidade e de insalubridade na recente jurisprudência do TST
GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.
Discute-se a respeito da possibilidade de o empregado receber os
adicionais de insalubridade e de periculosidade de forma cumulada, no âmbito do
mesmo contrato de trabalho.
Nos termos do art. 193, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, incluído
pela Lei 6.514/1977, ao dispor sobre o adicional de periculosidade, o empregado
pode optar pelo adicional de
insalubridade que porventura lhe for devido. No mesmo sentido é a previsão da Norma
Regulamentadora 16, sobre atividades e operações perigosas (16.2.1).
A posição majoritária e tradicional, com fundamento nessa previsão
literal, é de que o empregado não tem direito ao recebimento de ambos os
adicionais ao mesmo tempo, ainda que exposto a agente insalubre e atividade
perigosa.
Mais recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, em incidente de
recurso repetitivo, fixou tese jurídica, com natureza de precedente vinculante
(arts. 896-C da CLT, 927, inciso III, do CPC e 3º, inciso XXIII, da Instrução
Normativa 39/2015 do TST), nos seguintes termos: “O art. 193, § 2º, da CLT foi
recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de
insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores
distintos e autônomos” (TST, SBDI-I, IRR - 239-55.2011.5.02.0319, Redator Min. Alberto Luiz
Bresciani de Fontan Pereira, j. 26.09.2019).
A questão, entretanto, merece reflexão, pois se o empregado está exposto
tanto a agente insalubre, como perigoso, nada mais justo e coerente do que
receber ambos os adicionais, notadamente se os fatos geradores são distintos e
autônomos.
Nesse sentido, o art. 7º, inciso XXIII, da Constituição da República assegura,
além de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos
trabalhadores, o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres
ou perigosas, na forma da lei, sem estabelecer qualquer restrição quanto ao
pagamento.
A opção por um dos adicionais desestimula que a insalubridade e a
periculosidade sejam eliminadas ou neutralizadas, em desacordo com o art. 7º,
inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, ao prever o direito de redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança[1].
Frise-se que os mencionados adicionais são direitos trabalhistas, de natureza
social, assegurados na esfera constitucional, integrando o catálogo de direitos
fundamentais.
O art. 5º, § 2º, da Constituição da República dispõe que os direitos e
garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
Nesse contexto, a Convenção 148 da Organização Internacional do Trabalho,
sobre proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação
do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho, de 1977, promulgada pelo Decreto
93.413/1986, determina que os critérios e os limites de exposição devem ser
fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os
novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, tendo em conta, na
medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores
nocivos no local de trabalho (art. 8.3).
A Convenção 155 da OIT, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o
meio ambiente de trabalho, de 1981, promulgada pelo Decreto 1.254/1994, por sua
vez, prevê que devem ser levados em consideração os riscos para a saúde,
decorrentes da exposição simultâneas a
diversas substâncias ou agentes (art. 11, alínea b).
Como se pode notar, as normas internacionais em questão, dispondo de
forma mais benéfica e coerente, admitem o recebimento, simultâneo, dos
adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando o empregado está
exposto a ambos os agentes (Cf. TST, 7ª T., RR - 1072-72.2011.5.02.0384, Rel.
Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 03.10.2014).
Frise-se que o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que os tratados
e convenções internacionais sobre direitos humanos, firmados pelo Brasil antes
da vigência da Emenda Constitucional 45/2014, possuem status normativo supralegal,
admitindo a sua hierarquia constitucional quando aprovados pelo Congresso Nacional
com os requisitos previstos no atual art. 5º, § 3º, da Constituição da
República (Recursos Extraordinários 349.703 e 466.343).
Na verdade, o texto de lei (no caso, o art. 193, § 2º da CLT) deve ser
devidamente interpretado para que a norma jurídica resultante possa ser
corretamente aplicada.
Afinal, há razoabilidade e proporcionalidade em trabalhar exposto a
agentes insalubres e perigosos, autônomos e distintos, mas ter direito apenas a
um dos adicionais?
Ao se laborar exposto à insalubridade e à periculosidade, decorrentes de
fatos geradores autônomos e distintos, mas receber apenas um dos adicionais, deixa de ser considerado o mandamento elementar de “dar a cada um o que é seu”.
Caso houvesse texto de lei dispondo que o empregado ao prorrogar a
jornada de trabalho e laborar em horário noturno devesse optar pelo adicional
de horas extras, ou pelo adicional noturno, seria assim aplicado?
Há limites impostos pelo sistema jurídico (o qual é integrado não apenas
por regras, mas também por princípios, normas constitucionais e internacionais)
ao legislador.
A interpretação meramente literal, portanto, é manifestamente
insuficiente para se alcançar o verdadeiro sentido e alcance da norma jurídica.
Cabe, assim, acompanhar a evolução da jurisprudência
sobre essa relevante questão, em especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
[1]
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2019. p. 1033-1036.